Hodor e o relevo das personagens na literatura

“Hodor: Hodor hodor hodor, hodor. Hodor? Hodor… hod… HODOR!” (Hodor)

Hodor, para quem não o conhece, é uma simpática personagem da fantasia de As Crônicas de Gelo e Fogo que acompanha Bran (e o carrega) desde a queda que tirou do jovem lobo os movimentos da cintura pra baixo. Ele não é lá dotado de muita inteligência, é capaz de dizer uma única palavra: Hodor – daí seu nome – e é muito alto, forte e fiel aos Stark, especialmente a Bran desde que fora designado a carregá-lo.

E o que há de tão interessante em Hodor? Sob a ótica deste texto, é o que Martin faz para quebrar mais um elemento da narrativa construída com muita paciência. E mais uma vez de forma espetacular. Vejamos.

O estruturalismo apresenta, entre outras, duas composições de personagens que destaco para esta análise: planas e redondas. Basicamente, personagens redondas se distinguem das planas pela capacidade de evoluir ao longo da narrativa, de pensar e mudar a dinâmica do arco, de surpreender o leitor. Dentro da diegese concebida por Martin, Tyrion, Jaime e Arya são, em minha opinião, as personagens com maior capacidade de mudanças iniciadas por elas mesmas. Tyrion pela sua própria astúcia todas as vezes que precisa reverter uma situação a seu favor, Jaime por toda transformação que percebemos desde quando perde a mão até o retorno a Porto Real e Arya por todas as facetas que adota para conseguir sobreviver. Claro que outros personagens também podem ingressar nessa lista, mas nelas consigo perceber com mais clareza essa composição.

Já as personagens planas tendem a ser previsíveis, com pouco poder de mudança ao longo da narrativa. Eddard Stark é um grande exemplo de personagem plana, assim como Cersei Lannister – por mais esperta que possa parecer.

Dito tudo isso, não há uma personagem mais plana do que Hodor. Até mesmo suas falas se restringem a uma única palavra!

E aqui entra o brilho da narrativa de GRRM. Bran, a medida que passa a desenvolver seus poderes de warg (quando “desliza” sua mente para a mente de um animal), aparece cada vez mais na história como uma personagem redonda, pois mesmo imóvel, passa a ter opções de explorar terrenos através do seu lobo Summer, por exemplo. Vagarosamente, Martin aumenta a importância de Bran na história a ponto de buscar objetivos cada vez mais perigosos além da Muralha, claro que com ajuda de Hodor, Jojen e Meera.

O que Martin faz com estes conceitos de composição de personagens planas e redondas? Transforma Hodor, a coisa mais plana que Westeros poderia gerar e o coloca em combate com Bran controlando sua cabeça. Narrativamente, ele quebra os conceitos, pega a personagem mais plana que criou, dá-lhe a personalidade de outra personagem redonda e apresenta uma nova composição ao leitor depois de quase cinco livros.

Hodor jamais seria capaz de surpreender o leitor através de iniciativa própria. O que o autor faz é construir lentamente esses conceitos para quebrá-los e enriquecer a narrativa mais uma vez.

Com a palavra, GRRM:

“The last light had vanished from amongst the trees by then. Night had fallen. Coldhands was hacking and cutting at the circle of dead men that surrounded him. Summer was tearing at the one that he’d brought down, its face between his teeth. No one was paying any mind to Bran. He crawled a little higher, dragging his useless legs behind him. If I can reach that cave … “Hoooodor” came a whimper, from somewhere down below.

And suddenly he was not Bran, the broken boy crawling through the snow, suddenly he was Hodor halfway down the hill, with the wight raking at his eyes. Roaring, he came lurching to his feet,  throwing the thing violently aside. It went to one knee, began to rise again. Bran ripped Hodor’s longsword from his belt. Deep inside he could hear poor Hodor whimpering still, but outside he was seven feet of fury with old iron in his hand. He raised the sword and brought it down upon the dead man, grunting as the blade sheared through wet wool and rusted mail and rotted leather, biting deep into the bones and flesh beneath. “HODOR!” he bellowed, and slashed again. This time he took the wight’s head off at the neck, and for half a moment he exulted … until a pair of dead hands came groping blindly for his throat.” (A Dance with Dragons, Bran II)

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